quinta-feira, 25 de abril de 2013

A insustentável leveza do ser…


Como é que um autor cria um romance? Dei por mim a pensar nisto ao ler uma página da insustentável leveza do ser. Acho que foi a segunda vez que abri a boca de espanto envolvida numa história. Recordo-me perfeitamente da primeira, quando no ensaio sobre a cegueira a personagem ficou cega parada num semáforo.
 
Desta vez sai de imediato da história e dei por mim a imaginar Milan Kundera a escrever a cena: “Pôs-se a recuar a toda a velocidade no arrozal. Calcou uma mina. Ouviu-se uma explosão e o seu corpo desfeito em pedaços voou pelos ares, aspergindo uma chuvada de sangue a intelligentsia internacional”.

Vi-o freneticamente a bater as teclas de uma pesada máquina de escrever, envolto na penumbra de uma luz amarela, durante a noite, com uma nuvem de fumo em redor da cabeça, enquanto criava e materializava uma cena tão real no seu imaginário como na vida das suas pessoas. Matou nessa noite aquele “fotógrafo” com a mesma leveza com que as outras personagens da cena seguiram o seu caminho e “voltaram a pôr-se em marcha”.

Voltei umas páginas atrás pois recordava-me de ter lido sobre a forma como criava as suas personagens “Todas sem excepção atravessam uma fronteira que eu só contornei. (…) O romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que a vida humana é nesta armadilha em que o mundo se converteu”.

Acho que é esta esquizofrenia que nos atrai nos nossos autores favoritos. Através deles atravessamos as fronteiras que o nosso ser não consegue pela forma como está preso ao corpo, à matéria, à sua própria existência. Já a imaginação faz-nos SER tudo.