terça-feira, 5 de março de 2013

Desfado... ou antes sentir que não sentir

No verão passado, depois de me lamentar sobre o vazio que é a condição de "não sentir", a minha querida Su enviou-me um link com a música Desfado, da Ana Moura.
 
O amor é tão contraditório. Enche-nos de uma alegria imensa, e retira-nos a vontade de viver. Faz-nos sorrir, e num ápice permite que nos desfaçamos em lágrimas. Dá-nos a ilusão de que vamos viver para sempre, e de seguida retira-nos o chão debaixo dos pés. Convida-nos a partilharmos a nossa essência, e enche-nos de um certo egoísmo de tanto bem querer. É a intensidade do presente, e uma saudade desconcertante.
 
Mas por muito que as nossas emoções andem em looping, não há nada como sentir.
 
Quando se sente, transborda-se humanidade, quer seja amor ou desamor. Ao contrário, quando entramos na idade do gelo, e não há nada para sentir, somos invadidos por uma estranha sensação de desconforto. Pode até haver paz, mas ouvimos um eco interior, que canta: "Ai que saudades, que eu tenho de ter de ter saudades..."



Desfado - Ana Moura

Quer o destino que eu não creia no destino
E o meu fado é nem ter fado nenhum
Cantá-lo bem sem sequer o ter sentido
Senti-lo como ninguém, mas não ter sentido algum

Ai que tristeza, esta minha alegria
Ai que alegria, esta tão grande tristeza
Esperar que um dia eu não espere mais um dia
Por aquele que nunca vem e que aqui esteve presente

Ai que saudade
Que eu tenho de ter saudade
Saudades de ter alguém
Que aqui está e não existe
Sentir-me triste
Só por me sentir tão bem
E alegre sentir-me bem
Só por eu andar tão triste

Ai se eu pudesse não cantar "ai se eu pudesse"
E lamentasse não ter mais nenhum lamento
Talvez ouvisse no silêncio que fizesse
Uma voz que fosse minha cantar alguém cá dentro

Ai que desgraça esta sorte que me assiste
Ai mas que sorte eu viver tão desgraçada
Na incerteza que nada mais certo existe
Além da grande incerteza de não estar certa de nada