terça-feira, 29 de setembro de 2009

Síndrome do Conto de Fadas

Olhemos de relance para as histórias de amor que nos foram contadas na infância.

Comecemos pela Branca de Neve, uma menina muito alva e bonita cuja madrasta fez o favor de afastar do reino para eliminar a concorrência. Não satisfeita em tê-la ostracizado ainda lhe deu uma maçã envenenada que a fez entrar em coma. Mas eis que chega o final feliz, o príncipe aparece, beija-a, a maçã solta-se da garganta. Branca de Neve acorda e vivem felizes para sempre.

No que toca à bela adormecida a rapariguita pica-se numa roca de fiar quando fez 16 anos, porque a sua fada madrinha se irritou com os seus pais e decidiu castigar a menina dando-lhe o sono eterno. A ela e ao resto do reino. Passados cem anos aparece um príncipe que a beija e a desencanta. Bela Adormecida acorda e vivem felizes para sempre.

Depois vem Cinderela, também conhecida por Gata Borralheira. Completamente explorada pelas feiosas das enteadas e da madrasta. Impedida de ir ao baile (com a ajuda da fada lá foi embora tivesse fugido às 12 badaladas) e trancada num sótão para que não experimentasse o sapatinho de cristal. O seu pé perfeito lá foi descoberto e entrou no stiletto. O príncipe reconhece-a como o amor da sua vida e vivem felizes para sempre.

Seguem-se a Bela e o Monstro, a Rapunzel, a Princesa e a Ervilha, etc, etc, etc… E não venham com a história do Shrek. A Fiona decide ser ogre, mas não é por isso que deixa de se casar na flor da idade e de ser feliz para sempre!!!!

A ideia continua a ser perpetuada com centenas de comédias românticas cujo final não é difícil de adivinhar ainda antes de se conhecer o enredo.

Mediante este panorama, seria difícil não ter criado uma legião de mulheres que temem ser vistas como uma espécie de seres alienados quando por algum motivo nesta encarnação não se conseguem compatibilizar com alguém pelas mais diversas razões.

Não nos esqueçamos que a vida é uma sucessão de etapas que nos levam ao desenvolvimento pessoal. Reinventem-se os clássicos e poupem-se horas de terapia às futuras gerações de mulheres!

PS. Este texto não exclui a ideia de que o Amor é um estado de plenitude, apenas pretende sublinhar que encontrar o Amor não deve ser perseguido, mas algo inesperado. Simplesmente acontece sem data marcada… E se não acontecer é porque não tinha que acontecer…

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O ruído dos vizinhos

As cidades e vilas estão repletas de prédios com vários andares. Em cada andar vive um vizinho. Um vizinho: giro; simpático; esquisito; que tem um cão; que passa o dia à janela; que sacode freneticamente toalhas e tapetes na varanda; que faz questão de partilhar a ementa do dia, com especial destaque para o peixe assado. E um vizinho ruidoso…

O vizinho/vizinha ruidoso é sem dúvida o pior espécime que pode residir num prédio. Em especial se esse espécime habita directamente por baixo, por cima ou ao lado do nosso apartamento.

Estas criaturas são por norma dadas à exteriorização de emoções fortes. Eles discutem, gritam, arrastam a mobília noite e dia. Alguns deixam cair berlindes. Há ainda aqueles mereciam ser assinalados com uma bola vermelha no canto superior direito da porta em algumas horas do dia/noite.

Também há os que gostam de partilhar o seu gosto musical com todo o prédio. Nesta categoria por vezes inserem-se os vizinhos surdos cujo volume da televisão permite dar a conhecer as suas preferências televisivas a alguns andares do edifício. Os vizinhos com crianças, indirectamente, vêem-se categorizados como ruidosos dadas as dificuldades de silenciarem os pulmões dos bebés que choram, em particular no período da noite.

Muitas vezes os vizinhos ruidosos provocam reacções menos simpáticas nos vizinhos serenos. Quando estes procuram o silêncio para se concentrarem em algo importante, têm de sistematicamente ouvir o gritos de quem não sabe falar mas comunica com os decibéis bem acima do que o ouvido humano consegue suportar. Quando tentam combater uma noite de insónia, o vizinho ruidoso faz questão de mostrar que continua a haver vida no prédio.

Estes serenos sentem-se muitas vezes tentados a pegar em objectos e projectá-los contra as paredes que os separam dos vizinhos ruidosos.

É noite. Oiço o barulho do portátil. Oiço “perfeito vazio” dos xutos… um momento sonoro completamente controlado… eis que entra uma variável independente: o eco de uns saltos altos a passar na calçada.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Quem tem medo da obsessão?

Quantos de nós já não nos deparamos com uma catadupa de pensamentos intrusivos, repetitivos e persistentes… uma vozinha interior que não se cala e que abafa cada rasgo de lucidez e racionalidade que a tente contrariar.

Por vezes essas vozinhas são tão repetitivas que não se deixam derrubar, sequer por uma boa noite de sono… pois a verdade é que na maioria das vezes não nos deixam pregar olho.

Inquietante, perturbadora, obsessiva. Perdemos a capacidade de análise e de abstracção tudo converge para o mesmo ponto. Desagradável, confrangedor, inultrapassável. Mesmo que nos esqueçamos dela por um milésimo de segundo… a vozinha torna a atacar.

Pois a verdade é que a vozinha emana dos nossos medos. Dos julgamentos que fazemos de nós próprios e das expectativas que criamos sobre a nossa própria actuação. Isto é válido para os mais diversos temas: paixão, vingança, dinheiro (ou falta dele), trabalho, beleza, jogo, desporto, casamento, homens, mulheres…

Falamos do mesmo vezes sem conta, já nem nós próprios nos podemos ouvir… achamos que estamos a enlouquecer.

Seja como for há sempre um problema que aparentemente não tem solução. Será que não tem mesmo?

Vejamos as palavras cruzadas. Das duas uma ou a solução está de pernas para o ar aparentemente ilegível, ou vem na edição seguinte do jornal. É só uma questão de tempo …
(bem ajuda se tivermos alguma capacidade de colocar uma mordaça na voz enquanto esse tempo não chega!!!)

domingo, 13 de setembro de 2009

Um poema na carteira

Há alguns anos imprimi o "Depoimento" de Miguel Torga e passei a trazê-lo comigo na carteira. Há tempos pensei em deitá-lo fora. Não consegui. Aliás percebi que a impossibilidade de fazê-lo estava relacionada com o muro que ainda não foi transposto. E com a falsa segurança que te dá teres uma parede à tua frente que te deixa cego… para o bem e para o mal. Simplesmente, incapacita-te de construíres algo diferente.

Todos temos os nossos muros, uns mais rígidos e altos, outros mais pequenos e flexíveis, mas para os todos casos há no mercado material para os destruir ou escalar… Já vai sendo altura de comprar uma picareta ou um kit de alpinismo!

Depoimento
De seguro,
Posso apenas dizer que havia um muro
E que foi contra ele que arremeti
A vida inteira.
Não. Nunca o contornei. Nunca tentei
Ultrapassá-lo de qualquer maneira.

A honra era lutar
Sem esperança de vencer.
E lutei ferozmente noite e dia,
Apesar de saber
Que quanto mais lutava mais perdia
E mais funda sentia
A dor de me perder.

Miguel Torga > 12.08.1907 17.01.1995

sábado, 12 de setembro de 2009

A um saltinho dos 30

Os 29 anos são complicados de gerir.
Emocionalmente começamos a pensar que entramos numa nova década, e inevitavelmente tendemos a fazer o balanço dos doze anos que se seguiram à almejada maioridade.

A verdade é que a maturidade só agora começa a chegar. As emoções são mais fáceis de gerir. Mas há algo que nos começa a fugir… a juventude. Deixamos de ser novos e passamos a adultos. Começam a chamar-nos de senhores/as.

Pensamos nos projectos que concretizámos e naqueles que permanecem sob a forma de projecto. Apesar de os dias terem 24horas, nunca temos tempo. Não há tempo para ler, para estar com a família, com os amigos, para estudar, para namorar e para ir beber um copo. As semanas voam e damos por nós a pensar nas prendas de natal. E a pensar que para o ano tentaremos de novo…

Até que um dia batem à porta. Quem é… são os teus 30 anos!!!! Que te ditam que está na hora de deixar de adiar. Que é preciso terminar projectos e começar novos. Que vais ter de conformar com a ideia de que há sonhos que têm de ficar para trás, e que tens de aprender a enfrentar isso sem mágoa.

Eles também te dizem que já tens linhas no contorno dos olhos, que pareces um gato assanhado quando te ris. Mas que ainda podes usar mini saias mais uns anos sem pareceres ridícula.

Os teus trinta anos levam-te a reflectir e a pensar no teu projecto de vida. Angustiam-te por já ter passado tanto tempo, mas em simultâneo fazem-te sentir feliz, porque tiveste o prazer de conhecer dezenas ou centenas de pessoas, de leres muitos livros e conheceres bons autores, de experienciares muitas histórias dos filmes e descobrires a obra de realizadores fantásticos. Fizeste memórias, fizeste escolhas, criaste um trilho para a tua vida e modificaste a vida de outros.

Já viste paisagens inesquecíveis, já partilhaste gargalhadas que pareciam não terminar, já choraste até não teres olhos, e quem sabe já gritaste até perder a voz. Com certeza já amaste e já deste o beijo que achaste ser o melhor da tua vida.

Muita água correu por baixo da tua ponte, mas muita ainda há para correr… e se até agora viajaste numa jangada… é a altura exacta de comprares uma bússola e descobrires o teu norte.


PS: Claro que a teoria não se aplica a todos os pré-trintões mas a um grupo de insatisfeitos cujas decisões não foram talvez as mais interessantes e profícuas.