A capacidade de surpreender e de sermos surprendidos dá-nos um toque racio-emocional que nos humaniza.
Há dias estava eu ocupada com a minha escrita e com os meus prazos quase sempre falhados, quando recebo a visita de EC. Creio que não o via há uns três anos. Costumava aparecer com frequência quando a mulher IC, trabalhava connosco antes de se reformar.
Nesse dia trouxe uma caixinha de trufas de chocolate preto para a minha colega. A mim perguntou-me pela poesia. Sabe que gosto de ler, anos antes oferecera-me a antologia de Florbela Espanca. "Ando afastada dos poemas", comentei.
Ficamos enternecidas de o ver. "Apareça mais vezes". Não o dissemos como frase feita, mas sim com o sentimento genuíno, queriamos mesmo que repetisse a visita, porque há pessoas que nos fazem sentir felizes.
No dia a seguir recebi uma encomenda. Normalmente, quando me faltam alternativas envio os meus devaneios made in internet para o trabalho, é a única forma de evitar deslocações ao correio. Mas não me lembrava de ter encomendado nada...
Pego no pacote e vejo o nome do remetente... ainda antes de abrir exclamei "Recebi POESIA!". Abri o envelope e lá estava ele Fernando Pessoa, Antologia Poética. No interior uma nota com a sugestão de que começasse pelo "Tabacaria". E um pedido de desculpa pela caligrafia, o que me fez esboçar um sorriso (afinal eu já sabia que uma das coisas que mais o aflige aos 88 anos é estar a perder a visão, logo ele que adora ter por companhia os seus amados autores).
Há gestos que não têm preço... e que nos trazem poesia à vida!
TABACARIA (Álvaro de Campos - 15/01/1928)
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
(...)
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
(...)
Há gestos que não têm preço... e que nos trazem poesia à vida!
TABACARIA (Álvaro de Campos - 15/01/1928)
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
(...)
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
(...)